A nuvem prateada das pessoas graves




Nem sempre se deve desconfiar das pessoas
graves, aquelas que caminham com o pescoço inclinado para baixo,
os olhos delas a tocar pela primeira vez o caminho que os pés confirmarão
depois.
Às vezes elas vêem o céu do outro lado do caminho que é o que lhes fica por baixo
dos pés e por isso do outro lado do mundo.
O outro lado do mundo das pessoas graves parece portanto um sítio longe dos pés
e mais longe ainda das mãos
que também caem nos dias em que o ar pode ser mais pesado e os ossos
se enchem de uma substância morna que não se sabe bem o que é.
Na gravidade dos pés e da cabeça, e também dos olhos, com que nos são alheias
quando as olhamos de frente rumo ao lado útil do caminho que escolhemos, essas
pessoas arrastam uma nuvem prateada que a cada passo larga uma imagem daquilo
que foram ou das pessoas que amaram.
Essas imagens podem desaparecer para sempre se forem pisadas quando caem no
chão. A gravidade dos pés e da cabeça, e também dos olhos, dessas
pessoas, é, por isso, uma subtil forma de cuidado.



Rui Costa
(Prémio Daniel Faria 2005)

Para uma excelente análise aprofundada do livro homónimo, visite aqui.

[tn]

2 comentários:

Vânia disse...

Releio continuamente ao som dos dedos melodiosos de Fernando Dinis.Penso nos meus sapatos salpicados de nuvem prateada - seria a minha?

Anónimo disse...

a minha nao era, ó ginger.

parabéns ao Rui e , claro está, ao Fernando Dinis.