Um produto consagrado é melhor do que um anónimo.


Sinto-me cada vez mais um produto. Um daqueles, não muito diferente de uma lata de soja enlatada, vinda directamente da china, e que repousa, cheia de pó, no canto mais recôndito de uma prateleira de supermercado. Nos dias mais ensolarados sinto-me superior, como um espadarte cheio de químicos invisíveis, vaidosamente erguido por cima de um iceberg de gelo, artificialmente construído para ajudar à festa do faz de conta que se é giro. Se é giro vende! Sinto-me vendido, pois então…

Bocejo. Passo as mãos pela cara e aceno um não com a cabeça. Talvez devesse esbofetear a cara em vez de acarinhar a sua posição acomodada.

Não tenho vergonha. Os anos domesticam quaisquer sinais de liberdade que por caturrice, ainda teimem em ocupar a mente. Vergonha é coisa de sem abrigo que dorme na rua. De toxicodependente, fugaz à vida. De alcoólico. Aquele «ai Jesus» [adoro esta expressão] que comete o hediondo crime de ambicionar a todo o instante, esgotar com o narcótico oficial da comunidade. De prostituta. Aquela tipa que por sinceridade maior que a de muitas mulheres sustentadas por matrimónios manifestamente cristãos, continua, repetidamente, a ser ultrajada em hasta pública na actualidade, por vozes que no passado foram como cruzes queimando com orgulho todos os corpos moribundos.

Eu não posso ter vergonha. Eu tenho um trabalho. Eu visto-me bem. Como bem. Ouço, leio, vejo, sinto, penso e falo bem. Eu tenho uma televisão em casa. [às vezes faço zapping] …

Sinto-me cada vez mais um produto. Um daqueles que só tem qualidades. Acham que estou à altura de ser uma lata de coca-cola? Ao menos não criava bolhas nos pés, enquanto tinha de esperar ansiosamente que alguém me decidisse levar…


2 comentários:

Marcia M. disse...

um texto envolvente e de uma muita reflexão pedro! gostei muito bjs!

Gavine Rubro disse...

Já tinha saudades dos teus textos aqui Pedro. Gosto da palavras usadas e do conteúdo, continua meu caro ;) Abraço