Hoje

Hoje
Hoje o dia, presente,
brilhante de escamas, suave.
Perdida dele em milhões de finos grãos
transportada desse leito à sua presença.
-
O que me seduz é essa força da natureza
(sonhei com ela)
que arrasta consigo uma profunda e admirável convicção.
O modo como sabe, simplesmente sabe, aquilo que é.
um beijo - diz - e eu que sou só dúvidas e questões
ansiando a simplicidade
talvez adormecesse aí.
- não irei resistir por muito tempo -
porque resisto?
a quem me prendo?
o que temo, afinal?
-
A praia não é, agora, mais que um navio de carga
transportando um incessante fluxo humano
suspiro, estava exausta de tudo
-
No interior, quente, povoado de insectos
Sentada na mesa de ferro do pátio limpo de folhas secas
como quem realiza um ritual sagrado
arregaçava as mangas duma camisa branca
impecavelmente luminosa.
Puxei a cadeira ao lado e sentei-me
(houve espaço e houve tempo)
- descansámos num único silêncio cheio de abraço -
( um pouco mais à frente e veríamos as mágicas obras
do Souza-Cardoso, formas arredondadas e esguias, tão próximas )
-
Regresso
uma estrada de trivialidades
rasgada no coração dum pequeno monte
vejo a nuvem de poluição sobre a cidade
sempre lá, como um valor seguro
entrego o bilhete, pago o meu preço
no lugar da intimidade, reservo a intimidade.
-
grata por essas mãos que derramaram ternura sobre mim
ainda flutuava nesse suco doce e espesso
ecos líquidos de olhos fechados e rosto iluminado
Viva, mais um dia,
o dia de hoje
Hoje.



Imagem: 'Os Galgos' de Amadeo de Souza-Cardoso, óleo sobre tela, c. 1911 

4 comentários:

André hp disse...

Poema muito foda!

Sabrina Nóbrega disse...

não resisti, entrei no sonho e não é que te vi? brilhante sobre um tecido noir

Allegra disse...

:)

Sarah Virgi disse...

Daqueles poemas que vou guardar nos meus favoritos.