sem título


Ao correr do tempo

Ao correr da pena

Ao correr atrás da vida que tenho e que não queria ter

Por momentos

Por uns estranhos

Estranhíssimos

Momentos

E num inútil absurdo inconsequente esforço de resistência

Pensei parar um pouco o tempo, o tal de tempo que outrora julguei meu

(Talvez sonhar, querer outra vida...)

Mas

Apanhei o autocarro a correr

Entrei no emprego a correr

Esqueci a vida que queria ter

Estranhamente e apesar de tudo

Depois

Num inútil absurdo inconsequente esforço de resistência

Não corri

Parei

Por isso a máquina determinou eloquentemente o meu destino

Morri

Apesar disso no dia seguinte voltei de novo ao emprego e ninguém deu por isso passaram todos a correr atrás das vidas que não queriam ter e que nem essas tiveram tempo para viver ou sequer notar que eu estava morto continuaram a correr só quando morressem se aperceberiam que estavam parados continuaram a correr eu apesar de morto no exacto fim do expediente voltei para casa no dia seguinte no exacto início do expediente voltei para o emprego ninguém deu pela diferença pelo que aqui continuo morto e mais uns dias e até eu próprio julgo que estou vivo de novo tanto mais que nesta puta desta vida que eu não escolhi entre a vida e a morte não há nada nem um momento de diferença e vivendo nesta indiferença nem alguém nos empresta sequer uma vírgula caramba

- Não tenho uma vírgula mas toma lá um ponto dás-me o troco depois – disse o Zé da contabilidade

- Obrigado - respondi

Ponto

(- Para Ágrafo! – ordenei eu ao motorista da minha nave enquanto acenava ao mundo pela escotilha do meu quarto privativo com uma suprema vista para as 53 luas que orbitam os meus desejos inconsequentes)

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