[Para a Heloísa, com carinho]
Os seus olhos eram castanhos, de um castanho-escuro, muito escuro, quase negro, e o seu olhar assustava-me, ao mesmo tempo que me maravilhava, nem sei muito bem porquê. Talvez porque os seus olhos pareciam, ao mesmo tempo, tudo e nada ver.
Era uma daquelas pessoas que ninguém duvidava que podiam ser quem quisessem, tantas eram as suas qualidades e, sobretudo, tão forte era a sua vontade. Excelente profissional, excelente mãe, excelente amante, era também uma amiga e uma inimiga excelente, e parecia realmente ser quem queria ser, mas o olhar, aquele olhar estranho que tudo e nada via, denunciava-a.
Eu estava convencido que escondia um segredo e, uma tarde em que tomávamos café na baixa, surpreendi-a com uma pergunta súbita:
- Você é mesmo tudo o que quer ser?
Ela sorriu e olhou-me com os seus olhos castanhos, baços, quase negros. Devolvi-lhe o olhar, aparentando calma, mas a verdade é que precisei pedir-lhe que repetisse o que me dissera.
- Acredite que sou muito mais do que quero.
Foi isso que ela disse, e o sorriso que acompanhou a afirmação era tão dúbio como o seu olhar, ao mesmo tempo cheio de felicidade e de tristeza. Não insisti, mas, ainda que ela não o tivesse revelado, foi então que tive a certeza que descobrira o seu segredo, e não foram as suas palavras ou o seu sorriso que o denunciou, mas o seu olhar cego, que tudo e nada via.
Eu sabia, finalmente sabia. Aquela mulher que podia ser quem quisesse e que todos, menos eu, acreditavam que era quem queria ser, tinha afinal um desejo profundo que há muito tardava em satisfazer. Ela queria apenas não ser, era isso que ela mais queria. O seu olhar cego denunciava-a.
É claro que ela negaria tudo, mas eu sei que não me engano, ainda que não saiba muito bem explicar porque é assim, tal como me acontecia com o seu olhar, que ao mesmo tempo me maravilhava e me assustava.
[Faro, 20 de Outubro de 2008]
Os seus olhos eram castanhos, de um castanho-escuro, muito escuro, quase negro, e o seu olhar assustava-me, ao mesmo tempo que me maravilhava, nem sei muito bem porquê. Talvez porque os seus olhos pareciam, ao mesmo tempo, tudo e nada ver.
Era uma daquelas pessoas que ninguém duvidava que podiam ser quem quisessem, tantas eram as suas qualidades e, sobretudo, tão forte era a sua vontade. Excelente profissional, excelente mãe, excelente amante, era também uma amiga e uma inimiga excelente, e parecia realmente ser quem queria ser, mas o olhar, aquele olhar estranho que tudo e nada via, denunciava-a.
Eu estava convencido que escondia um segredo e, uma tarde em que tomávamos café na baixa, surpreendi-a com uma pergunta súbita:
- Você é mesmo tudo o que quer ser?
Ela sorriu e olhou-me com os seus olhos castanhos, baços, quase negros. Devolvi-lhe o olhar, aparentando calma, mas a verdade é que precisei pedir-lhe que repetisse o que me dissera.
- Acredite que sou muito mais do que quero.
Foi isso que ela disse, e o sorriso que acompanhou a afirmação era tão dúbio como o seu olhar, ao mesmo tempo cheio de felicidade e de tristeza. Não insisti, mas, ainda que ela não o tivesse revelado, foi então que tive a certeza que descobrira o seu segredo, e não foram as suas palavras ou o seu sorriso que o denunciou, mas o seu olhar cego, que tudo e nada via.
Eu sabia, finalmente sabia. Aquela mulher que podia ser quem quisesse e que todos, menos eu, acreditavam que era quem queria ser, tinha afinal um desejo profundo que há muito tardava em satisfazer. Ela queria apenas não ser, era isso que ela mais queria. O seu olhar cego denunciava-a.
É claro que ela negaria tudo, mas eu sei que não me engano, ainda que não saiba muito bem explicar porque é assim, tal como me acontecia com o seu olhar, que ao mesmo tempo me maravilhava e me assustava.
[Faro, 20 de Outubro de 2008]
2 comentários:
Lindo! Será a mesma Heloísa que conheço?
Bj e bom domingo ;)
Ja a réplica - "Acredite que sou muito mais do que quero."- deixa que pensar... Gostava de a ter escrito.
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