Abriu o frigorífico e, à primeira vista, deu de caras com o que imaginara encontrar: vazio. Mas olhando melhor descobriu na prateleira de cima uma perna de galinha de frescura duvidosa. Pegou nela, olhou-a, cheirou-a e concluiu que podia ser utilizada. Cozida e depois desfiada, pensou.
É claro que podia não fazer nada para comer, mal a conhecia, mas a verdade é que estava com fome, e também se havia algo que gostava de fazer era cozinhar. Abriu as diversas portas do armário da cozinha mas só encontrou uma garrafa de azeite, de primeira qualidade, mas quase vazia.
Azeite e uma perna de galinha, disse para si mesmo, é um bom princípio, e riu, e continuou a rir. Lembrara-se daquela anedota ouvida num filme americano qualquer: O que são 200 advogados (ou seriam mais?) no fundo do mar? Um bom princípio.
Dentro de dez ou quinze minutos, talvez um pouco mais, ela ia chegar. Era só o tempo de encontrar um café aberto, comprar cigarros e voltar.
Em cima da mesa da cozinha, num saco de plástico aberto, descobriu um bom bocado de pão caseiro, duro mas ainda em boas condições para ser escaldado. E um bocado de queijo da ilhas com uns bons cem gramas.
Foi à varanda e trouxe algumas folhas de hortelã, colhidas do que restava da sua horta essencial.
Dispôs todos os ingredientes à sua frente, a perna de galinha, o azeite, o pão, o queijo, as folhas de hortelã, e decidiu-se. Pegou numa panela pequena, encheu-a até metade com água quente e colocou-a no fogão, em lume alto. Deitou dentro da panela um pouco de flor de sal, na verdade tudo o que tinha, e a perna de galinha. Cortou o pão e o queijo às fatias, o pão em fatias grossas e o queijo em fatias o mais finas possíveis e foi até à despensa buscar o vinho.
Tinha sempre uma garrafa, na verdade quase sempre duas, pois se tivesse só uma não a bebia, a não ser que fosse uma emergência, o que era o caso. Não que ele não conseguisse levá-la para a cama, mas não queria saltar aquela etapa, apetecia-lhe ir para a cama com ela, e iria, mas apetecia-lhe também um bom jantar, um bom vinho, uma boa conversa.
Abriu o vinho, despejou um pouco no copo, pousou-o em cima do balcão e ficou a olhá-lo, a desejá-lo. Tudo tinha o seu tempo e se havia algo que ele gostava era de esperar.
Apagou o lume, acendeu o forno, tirou a perna de galinha e passou-a por água fria, desfiando-a de seguida sem deixar de protestar. Estava quente, muito quente, porra! Num recipiente de ir ao forno (como raio se chamava aquilo!), foi alternando fatias de pão com a carne desfiada e algumas folhinhas de hortelã, guardando as mais bonitas para enfeitar no fim. Depois coou o caldo de cozer a perna de galinha, deixou-o começar a ferver de novo, juntou o azeite e deitou por cima de tudo. No fim espalhou o queijo e levou ao forno, bem forte, até que alourasse.
Agarrou o copo de vinho, levantou-a à altura dos seus olhos, desceu-o até perto do seu nariz, cheirou-o e, quando se preparava para o beber, a campainha tocou. Olhou na direcção da porta, deu um pequeno gole, e decidiu-se. Ia chamar-lhe sopa de galinha dos dias de crise. E riu. E continuou a rir.
2 comentários:
um enorme prazer ler este texto. esperava um final diferente - apenas e só diferente - mas este não desiludiu, antes pelo contrario;)
abraço
pirex
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