I.
A propósito da leitura muito atenta que tenho feito da poesia reunida de Jorge Melícias, com o título Disrupção [Cosmorama], e que gentilmente me foi oferecida pelo próprio, tenho pensado sobre o panorama geral da poesia portuguesa. Jorge Melícias é dos poucos poetas portugueses, mormente entre os jovens, a assumir-se com a sua voz, com um mundo novo e coerente, próximo daquilo que sempre defendi: o artista, em qualquer área, como criador de mundos.
II.
Tenho tido a sorte de ao longo do tempo ter conhecido e privado com alguns poetas portugueses, com os quais muito tenho aprendido. Na realidade todos apontam o dedo à actual crise na poesia portuguesa, ao clubismo da sua novíssima poesia, mas faria falta alguém [e falo dos consagrados] colocar o dedo na ferida, alguém que dissesse de viva voz: como é? vocês vão continuar todos a escrever de forma igual e superficial, apostados numa repetição de algo de há sessenta anos, numa poesia, que afinal é prosa, de casualidades e banalidades, na constante negação do poético? Há um grande autor português, com quem estive recentemente, que me disse que num exercício de escrita criativa, num pequeno curso que ministrou, mandou os formandos lerem alguns poemas de vários autores [desses que aparecem como sendo da nova vaga] tendo-lhes retirado os nomes, sendo que o exercício seria o de os formandos tentarem saber que poemas pertenciam a quem. Escusado será dizer que a esmagadora maioria disse que todos aqueles poemas eram de autoria do mesmo autor.
III.
Sempre que aparece alguém único, há uma certa tendência para o abater, como se a poesia não tivesse a ver com unicidade, com especialidade, com novas formas, mundos e estilos. Há poucos poetas portugueses actualmente, há que dizê-lo, e os novos estão deslumbrados por dois ou três autores que seguem e imitam [o exercício que refiro no ponto II nem seria preciso para o constatar]. Qual o prazer de os ler? Qual o sentido de a poesia ser um trabalho de equipa? Lembrar-se-ão deles daqui a cem anos quando o clube abrir falência e fechar?
IV.
Talvez eu seja um idealista. Talvez peça o que não me podem dar, por incapacidade ou outra razão qualquer. Ou talvez goste muito de poesia. Por hoje vou continuar a ler o meu exemplar de Disrupção e pensar num mundo melhor. Muito melhor.
7 comentários:
estou ansiosa por ter este livro! gostei muito de ler as tuas considerações. boa noite.
só agora me apercebi que nem fiz grandes considerações sobre o livro. estou a gostar muito. nada melhor do que descobrir uma voz, tendo a certeza que ela existe. o Melícias passou-me ao lado durante muito tempo [não sei bem porquê]e dele só conhecia as traduções praticamente.
Fico feliz por este este texto tambem servir para despertar a curiosidade sobre a sua poesia.
Já agora, Alice, és uma das nossas melhores:)
O Ciclo Menstrual da Noite é visceral;)
um grande beijo
Tiago
Ei, gostei de suas considerações. São pertinentes e encontram em mim um eco. Beijo
Tiago,
..passa lá no papagaio,
tem um bruxo à solta...
abs,
Gustavo
"Há poucos poetas portugueses actualmente, há que dizê-lo"...
Posso perguntar-te quem são eles (e elas, claro está), em tua opinião?
P.S.: notei que, para além do perfil genérico Texto-Al, apenas o Tiago Nené e o Adriano Narciso permanecem como membros do blog... algo se passa com o vosso movimento?
Caro Valter,
não somos um movimento e o texto-al nao se resume ao blogue. eu, por exemplo, só escrevo com a conta geral.
qt ao número de poetas, isso é mt subjectivo. dos novos, com menos de trinta anos, vejo poucos. dos que o publico em geral conhece destaco a catarina nunes de almeida, a joana serrado, a filipa leal, entre outros.
Tiago
Tiago, sou obrigado a dizer que no Brasil há muito movimento e a diaba da poesia anda a florescer feito erva daninha.
Erva do bem.
Orgânica.
Tiago, eu também sou um idealista...
Um abç.
- Henrique Pimenta
Enviar um comentário